Final de tarde em São José dos Campos, e como acontece em todas as terças-feiras um grupo incansável de voluntários, se prepara para mais uma noite de observação no Observatório IAE-DCTA. Mas antes de continuarmos com nosso passeio, vamos conhecê-lo um pouco melhor.
Em outubro de 1957 foi anunciado o projeto ASTRO, projeto este que deu origem ao Atual Observatório do IAE – Instituto de Aeronáutica e Espaço, na época havia apenas dois institutos em todo o Centro Técnico do Ministério da Aeronáutica (CTA), hoje denominado Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA).
Em 1946 foi fundado o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), que em um primeiro momento ficou responsável por todas as funções do CTA. Com o desenvolvimento das atividades, o IPD foi criado, mas quase uma década mais tarde, em 1954.
O Centro Técnico se expandiu: muito da década de 50 até os dias de hoje . Atualmente o DCTA conta com quinze institutos destinados a pesquisa, ensino e desenvolvimento de novas tecnologias, entre eles o IAE, instituto ao qual o Observatório é hoje subordinado.
No final de década de 50 em plena corrida espacial, durante a Guerra Fria, o sr. Abraham Szulc, coordenador do projeto ASTRO e o encarregado do polimento dos espelhos do telescópio, esteve em Roma para o VII Congresso Internacional da Federação Astronáutica. Como apontado na reportagem de Jean-Paul, “350 sábios em astronáutica” reuniram-se em setembro de 1956 para discutir os desafios a serem solucionados para a conquista do espaço – e é significativo que dentre eles estivesse um membro do ITA, mais ainda, um dos mentores do projeto ASTRO. Há sessenta anos, investir na aeronáutica e no estudo do espaço era investir em sua inserção no debate internacional. E foi isso o que o Brasil realizou.
Dessa forma O Iteano divulgava o projeto ASTRO com entusiasmo em 1957. A ideia de incentivar o estudo da astronomia no CTA já existia há dois anos e, inicialmente, consistia na criação de um Clube de Astronomia, a construção de pequenas lunetas e telescópios e a obtenção de um observatório já aparelhado para uso do CTA e membros do Clube. Os estatutos do Clube chegaram a ser criados, no entanto, para o seu funcionamento era imprescindível a obtenção de um observatório – e foi aí que a ideia da construção e aparelhamento de um próprio para o projeto ASTRO nasceu.
Diante dos altos custos para a obtenção de um telescópio refletor no exterior, Prof. Young e sr. Szulc optaram pela construção de um no próprio CTA. A mecânica ficou a cargo do Prof. Young, enquanto a ótica a cargo do sr. Szulc. A altura de 1957, apesar de ainda não estar pronto, parte substancial do telescópio já se encontrava em andamento. Algumas coisas, no entanto, eram certas: quando pronto ele seria o maior do Brasil, terceiro em tamanho e maior até então fabricado na América Latina. Apesar de já animadores, esses não eram os únicos dados a entusiasmar o artigo de Felippe: o telescópio Newtoniano-Cassegraniano a ser construído no CTA teria o maior número de matérias primas nacionais possíveis, o que colaborava na redução de seus custos – calculado a ser cerca de 1/10 do valor de um modelo semelhante importado.
Sem ao menos haver lugar definido para instalação do Observatório, as perspectivas que a sua simples construção anunciavam eram excitantes para a comunidade do CTA:
A partir da fundação do Observatório, em 1960, foi criado um Departamento de Astronomia no ITA, primeira instituição no Brasil a abrir um curso de pós-graduação em Astronomia e onde os primeiros trabalhos em Astrofísica foram desenvolvidos.
Ao longo da década de 1960 as atividades no Observatório, até então, do ITA estavam a todo vapor. Havia um grande intercâmbio de informações e pesquisadores entre o ITA e outros observatórios e universidades em todo o mundo, com destaque aos astrônomos franceses e ao Bureau des Longitudes de Paris. Ao final desse período, em 1968, encontravam-se prontos os primeiros dois fascículos a serem publicados da série “Contributions from the ITA Astronomical Observatory”, sendo eles: “Phaso Integrals in Pulsation theory of Variables Stars”, de J. A. F. Pacheco, e “On the cosmological rodshirt law for Radio Galaxies and Quasi-Stellar RadioSources”,de F. M. Gomide.
Nesse mesmo ano, o fotômetro fotoelétrico do telescópio Young-Szulc, foi melhorado: foram instalados um eletrômetro, um registrador gráfico e um conjunto de filtros que
reproduziam de perto as cores B e V do sistema internacional UVB. Dentre as estrelas observadas a partir dessas melhorias, vale destacar a 8-Nova Vulpeculpa, eutróla nova e que no mesmo mês de sua descoberta, em abril de 1968, já foi observada no Observatório do ITA. Essa é mais uma, dentre tantas outras evidências, do quão inseridos nos debates e pesquisas internacionais estavam os pesquisadores do ITA.
CONVÊNIO COM O OBSERVATÓRIO NACIONAL
Diante dos progressos do corpo de pesquisa do Departamento de Astronomia do ITA, em 1969 foi firmado convênio de intercâmbio técnico, científico e didático entre o CTA e o Observatório Nacional. Além de promover o desenvolvimento de pesquisa e ensino de Astronomia, o objetivo do convênio também era o aperfeiçoamento e especialização de pessoal, visando formar os operadores do futuro Observatório Astrofísico, de âmbito nacional, que deveria ser instalado no país. Dois anos após o início do Convênio, em maio de 1971, reuniram-se no Observatório do ITA para elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado das pesquisas astronômicas no Estado de São Paulo pesquisadores não somente do ITA e do Observatório Nacional, mas também da USP e da Universidade Mackenzie. Os planos para a instalação do Observatório Astrofísico davam seu próximo grande passo: o principal assunto abordado na reunião foi a necessidade de instalação de um Observatório Astrofísico bem equipado, capaz de permitir uma participação real dos pesquisadores brasileiros nos avanços da Astrofísica. Dessa forma, as quatro instituições comprometeram-se a solucionar dois dos principais problemas enfrentados pelo projeto: a escolha do pico ideal para a instalação do Observatório e a questão financeira.
Ainda nesse ano foi formada a Comissão Conjunta, composta pelo Dr. Muniz Barreto (Observatório Nacional), Dr. Paulo Benevides Soares (IAG da USP), Dr. Pierre Kaufmann (Universidade Mackenzie), o Chefe do Depto. de Física da Universidade de Minas Gerais e Prof. Sylvio Ferraz de Mello (ITA). Ao Observatório Nacional coube a coordenação geral dos trabalhos, visto que era a entidade que havia enviado o projeto ao Ministério do Planejamento, através do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), enquanto às demais coube a parte executiva. Ao ITA foi designado a tarefa de escolha do local e seleção do instrumento a ser adquirido e colocado em uso no Observatório. Para essa segunda tarefa, a FAPESP financiou uma viagem à Europa e aos Estados Unidos ao Prof. Germano Quast, à época, Chefe do Departamento de Astronomia do ITA, para que fossem visitados os principais observatórios astrofísicos europeus e estadunidenses. Portanto, além de seguir com suas atividades e pesquisas habituais, em meados da década de 1970, o Observatório do ITA também se empenhava em um projeto de âmbito nacional.
Aos esforços dedicados pelo ITA, em especial o seu Departamento de Astronomia, para capacitação e aperfeiçoamento de pessoal para o Observatório de Astrofísica o Dr. Muniz Barreto enviou carta de agradecimento:
“(…) em nome do Observatório Nacional os nossos agradecimentos pela colaboração prestada por esse Instituto na preparação de pessoal especializado. […] Os resultados obtidos foram excelentes, o que demonstra o alto padrão científico do Departamento de Astronomia do ITA com o qual este Observatório se honra em cooperar dentro do Convênio estabelecido em 1969.”
Apesar da qualidade de seus membros e Observatório, com a inauguração do LNA em Itajubá (MG), o surgimento de novos departamentos e pós-graduações em Astronomia – como o do IAG da USP – e o aumento da poluição luminosa (PL) de São José dos Campos, um grande empecilho às observações astronômicas, fizeram aos poucos o Observatório do IAE ser abandonado. Ainda na década de 1970 o Departamento de Astronomia do ITA foi incorporado ao IAG da USP e o Observatório passou a ser subordinado ao IAE. A partir da década de 1980 até os anos 2000 o Observatório permaneceu praticamente fechado.
No início dos anos 2000, o engenheiro Silvio Macera, funcionário do IAE, assumiu a direção do Observatório e começou um processo de recuperação tanto do telescópio quanto dos prédios. A cúpula foi revestida com folhas de alumínio, os espelhos foram totalmente realuminizados pelo Laboratório Nacional de Astrofísica – LNA de Itajubá – MG, os tubos do telescópio principal, de 520mm e o do secundário de 200mm e todas as chapas de revestimento, receberam nova pintura, O sistema de redução/transmissão mecânica de acionamento de movimentação horária, o controle de velocidade e os componentes mecânicos e óticos foram revisados e restaurados.
Junto ao Macera reuniram-se outros voluntários, todos com interesse em astronomia, porém sem formação acadêmica na área e passaram a abrir o Observatório todas as noites de terça-feira para a realização de observações do céu.
Ao longo dos anos esse grupo cresceu, realizou cursos na área e se organizou de forma que até hoje o Observatório continua a ser aberto ao público gratuitamente todas às terças-feiras a partir das 19:30h até às 21:30h. Através de bolsas concedidas pelo CNPq novos telescópios foram comprados e acrescentam-se a esses outros aparelhos dos próprios voluntários e dos visitantes. Além das observações astronômicas, o Observatório também realiza palestras nas noites de visitação.
No exato momento o prédio do telescópio principal está fechado para reforma, cabe aqui ressaltar a importância dos voluntários, que apesar das dificuldades encontradas, mantém o observatório aberto, além do Macera encontramos todas as semanas o Silvio Fazolli, o Gilberto Jardineiro do Astro clube de Cunha, que apesar do deslocamento entre as duas cidades, de mais de 130 km, está sempre radiante, com suas palestras descontraídas e informativas, além de muitos outros voluntários que passaram por aqui ao longo dos anos, e continuam vindo. Somos realmente felizes por termos sidos tão bem acolhido por este grupo, que nos incentivam a ter amor pela astronomia, e a querer aprender cada vez mais para fazer este trabalho tão dignificante.
As horas voam, enquanto estamos atendendo o público, como é gratificante, quando podemos mostrar para os visitantes, algo que a maioria nunca viu, e poder responder as perguntas que nos fazem. No final da noite, vemos rostos felizes deixando o local e dizendo que voltarão mais vezes, alguns inconformados por não terem vindo antes.
Texto e imagens: Suzanne Cristine de Paula – voluntária no Observatório CTA desde 2013 trabalhando nas atividades de divulgação científica ao público e associada à Exoss com estação de monitoramento na cidade de São José dos Campos-SP.